Revolução Federalista

A REVOLUÇÃO FEDERALISTA (1893-1895)

            A Revolução Federalista ocorreu no sul do Brasil logo após a Proclamação da República, e teve como causa a instabilidade política gerada pelos federalistas, que pretendiam “libertar o Rio Grande do Sul da tirania de Júlio Prates de Castilhos”, então presidente do Estado.
            Empenharam-se em disputas sangrentas que acabaram por desencadear uma guerra civil, que durou de fevereiro de 1893 a agosto de 1895, e que foi vencida pelos pica-paus, seguidores de Júlio de Castilhos.
            O Partido Federalista do Rio Grande do Sul foi fundado em 1892 por Gaspar Silveira Martins. Em tese, defendia o sistema parlamentar de governo e a revisão da Constituição, pretendendo o fortalecimento do Brasil como União Federativa. Desta forma, esta filosofia chocava-se frontalmente contra a constituição do Rio Grande do Sul de 1891. Esta era inspirada no positivismo e no presidencialismo, resguardando a autonomia estadual, filosofia adotada por Júlio de Castilhos, chefe do Partido Republicano Rio-grandense, e que seguia o princípio comtiano-positivista das “pequenas pátrias”.
            Os seguidores de Gaspar da Silveira Martins, Gasparistas ou maragatos, eram frontalmente opostos aos seguidores de Júlio de Castilhos, castilhistas ou Pica-paus.
            As desavenças iniciaram-se com a concentração de tropas sob o comando do maragato João Nunes da Silva Tavares, o Joca Tavares, barão de Itaqui em campos da Carpintaria, no Uruguai, localidade próxima a Bagé.
            Logo após o potreiro de Ana Correia, vindo do Uruguai em direção ao Rio Grande do Sul, encontrava-se o coronel caudilho federalista Gumercindo Saraiva.
Gumercindo Saraiva

Gumercindo Saraiva e seus ajudantes de ordem


Gumercindo e Aparicio Saraiva ao centro junto com outros comandantes


            Eficientemente, os maragatos dominaram a fronteira, exigindo a deposição de Júlio de Castilhos, que havia sido eleito presidente do estado pelo voto direto. Havia também o desejo de um plebiscito onde o povo deveria escolher a forma de governo.
            Devido à gravidade do movimento, a rebelião adquiriu âmbito nacional rapidamente, ameaçando a estabilidade do governo rio-grandense e o regime republicano em todo o país. Floriano Peixoto, então na presidência da República, enviou tropas federais sob o comando do general Hipólito Ribeiro para socorrer Júlio de Castilhos.

            Gumercindo Saraiva e sua tropa dirigiu-se para Dom Pedrito. De lá iniciaram uma série de ataques relâmpagos contra vários pontos do estado, desestabilizando as posições conquistadas pelos legalistas. Gumercindo Saraiva, em 10 de agosto de 1894, após ser atingido por um tiro desferido à traição enquanto reconhecia o terreno na véspera da Batalha do Carovi, morre dois dias depois. O coronel Firmino de Paula manda desenterrar seu cadáver e corta-lhe a cabeça. Essa é enviada, numa caixa de chapéu, para Júlio de Castilhos.

             Júlio de Castilhos                            Gaspar Silveira Martins















CERCO DE BAGÉ


            Entre novembro de 1893 e janeiro de 1894, os republicanos, comandados pelo coronel Carlos Maria Silva Telles, buscaram abrigo na Catedral São Sebastião.
            Os antigos moradores de Bagé presenciaram de camarote um dos muitos episódios sangrentos que tornaram a Revolução Federalista uma das mais violentas da história do Rio Grande do Sul.
            Bagé era um alvo importante. Era uma das maiores cidades do Estado, sediava uma importante guarnição militar, tinha ligação por trem com Rio Grande e situava-se em posição estratégica em relação à Campanha e à fronteira.
            Além disso, era a terra dos Tavares e de Silveira Martins, principais lideranças maragatas, que faziam de Bagé um dos centros da conspiração e sede do Partido Federalista, uma das frentes de oposição a Castilhos.
            Natural, portanto, que, ao primeiro refluxo dos rebeldes, os republicanos tratassem de assegurar o controle da cidade. Natural, também, que fosse Bagé o primeiro alvo do general Joca Tavares em seu retorno ao campo de batalha, depois de refazer suas forças em território uruguaio.
            Ele retorna em novembro de 1893, à frente de quase três mil combatentes. Ataca em duas frentes. De um lado, Zeca Tavares, seu irmão, toma a estação ferroviária de Rio Negro a 20 quilômetros da cidade, guarnecida por 500 soldados comandados pelo general Isidoro Fernandes.
            A outra frente cerca a cidade, desde o dia 24 de novembro era possível avistar os piquetes de lanceiros federalistas defendida por pouco mais de mil combatentes, sob as ordens do coronel Carlos Maria da Silva Telles. A população, pouco mais de 20 mil moradores, foge da cidade levando o que é possível.
            O coronel Telles se prepara para o pior: requisita a comida disponível no comércio, manda construir trincheiras ao redor da praça e concentra ali a resistência. Nas bocas de rua, arma barreiras com fardos de lã, terra, pedras e paus.
            Durante quase um mês, os federalistas mantêm o cerco a distância. Depois apertam. Ocupam chácaras do subúrbio e entram na cidade. Tomam o Teatro 28 de setembro, a Beneficência Italiana, o Mercado Público, os quartéis, a Rua Barão do Rio Branco e a Enfermaria Militar. Em poucos dias toda a cidade é dominada, menos a Praça da Matriz.
            Telles dispunha de batalhão e um regimento de Artilharia, uma companhia de engenheiros, um batalhão da Brigada Militar e um corpo de transporte, comandado por Bento Gonçalves da Silva Filho (neto do líder farroupilha).
            Tinha também dois corpos provisórios, gente da Guarda Aduaneira e, a partir do momento em que apertou o cerco, um “batalhão republicano” com voluntários civis. O coronel tem ordens expressas de Floriano Peixoto para resistir até o fim.
            Corre na cidade sitiada uma notícia apavorante: as forças de Isidoro Fernandes haviam sido massacradas no Rio Negro, com mais de trezentos prisioneiros degolados. Começa a faltar comida; Há deserções, as fugas se dão pela zona sul da praça, onde era mais fácil chegar ao cemitério que ficava a 600 metros. Joca Tavares ordena que o cerco se feche num “cinturão de ferro e fogo”. Quando o sítio completa um mês, Joca Tavares manda propor ao coronel Telles que se entregue sob garantias. O coronel nem discute: “Vocês é quem devem depor as armas, porque estão fora da lei. Garanto a todos a anistia ampla!”.
            O natal foi terrível. Atordoada, Bagé enterrava mortos civis atingidos por balas perdidas, chorava as vítimas de violências, saques, incêndios e arrombamentos. Já não havia sequer figos crus e caruru para cozinhar na água e sal. A farinha e as últimas bolachas estavam reservadas para os feridos amontoados na nave central da igreja.
Para aliviar a fome, já se matavam gatos e cães, e o próprio comandante da resistência manda matar seu cavalo para alimentar a tropa. Fome, sede e doenças substituíram a famosa degola na tarefa de abater o inimigo. Quando a situação parecia insuportável, chegam informações de que duas divisões do Exército se aproximam para socorrer Bagé. Com a aproximação dos reforços solicitados pelas tropas castilhanistas, em cinco de janeiro de 1894, Joca Tavares resolveu promover o ataque final. Derrubando muros e perfurando paredes, os maragatos avançaram. Informado da ação, o coronel Carlos Telles antecipou a defesa, colocando abaixo paredes de dois prédios que ainda não haviam sido alcançados pelos rebeldes. O tiroteio foi intenso até que os legalistas dispararam os canhões e uma descarga de granadas contra a linha federalista.
            Na noite de sete de janeiro, começa a ser desfeito o cerco, e os federalistas seguem desolados para Santana do Livramento. Antes de o dia raiar, um vulto se aproxima das trincheiras, solitário, e diz aos cansados e famintos soldados: “Bom dia! os revolucionários deixaram a cidade”. Eles haviam resistido 47 dias de cerco. Telles envia um telegrama ao ministro da Guerra: “Tivemos o desprazer de vê-los em debandada e mal montados, sem terem tentado o ataque decisivo pelo qual tanto ansiávamos...”. No seu boletim, registrou 34 mortos (quatro oficiais) e 91 feridos.









 
Os republicanos entrincheirados














Funerais do coronel Carlos Maria Silva Telles























MASSACRE DO RIO NEGRO



            Sob o comando de Zeca Tavares combatentes federalistas (Maragatos) e republicanos (Pica-paus), comandados pelo general Isidoro Fernandes se enfrentaram ferozmente durante sete dias, às margens do Rio Negro, e dos relatos sobre a carnificina que lá aconteceu no decorrer desse sangrento entrevero, em 23 de novembro de 1893, consta que trezentos soldados republicanos foram rendidos mediante garantia de vida e contidos em um cercado (mangueira de pedra) para gado, que ficou conhecido como “Potreiro das almas” friamente degolados à beira de uma lagoa lá existente, embora os historiadores reduzam esse número a trinta.
            Comenta-se que a degola do Rio Negro, foi muito mais uma desforra do comandante e fazendeiro Zeca Tavares, contra Maneco Pedroso, outro proprietário rural que antes havia invadido a propriedade do primeiro e lhe deixado um recado insultuoso.          Conta a história, que invadida a fazenda de Zeca Tavares, por Maneco Pedroso, foi deixada sobre sua cadeira uma cabeça de porco e um bilhete: “Tua cabeça será minha”.
            Argumento fortalecido pelo fato de que o próprio Maneco Pedroso e muitos dos degolados mantinham relações estreitas com este. Como não existem dados que assegure a veracidade de tal hipótese, ela deve ser encarada como mais uma das muitas versões não comprovadas sobre os fatos de guerra registrados em 1893.
            Diz à tradição que entre os degolados encontrava-se um rapaz que era tocador de clarim da sua tropa. Mesmo, depois de receber o corte no pescoço, ferido de morte ele ainda encontrou forças para correr até a lagoa levando seu instrumento musical, desaparecendo nas águas escuras que o engoliram como num passe de mágica.
            A lenda assevera que até hoje o soldado morto gosta de tocar o seu clarim nas noites de lua cheia, o que acabou dando à lagoa a fama de um lugar mágico, de onde saem notas musicais que ninguém consegue explicar, e o nome da mesma: Lagoa da Música.
            Mas a melodia continua, amedrontando quem passa desavisado pela Lagoa da Música.
            Desde esse dia o lugar ficou amaldiçoado.
            O povo do lugar evita passar por ali à noite, quando os espíritos dos degolados vagam, dizem que de faca na mão, procurando vingança. Mesmo quem não passe por perto é capaz de se assustar: ouvem-se gritos, berros de gente morrendo. Muitos juram que pode se ouvir o som das gargantas sendo cortadas.
            “300 prisioneros fueron encerrados em um corral de piedras de donde los sacaron uno por uno, a lazo, para desjarretarlos y degollarlos como reses” (Florêncio Sánchez).
            “Relatam os sexagenários que no mais admirável recanto daquela zona, justamente no ponto onde a natureza melhor caprichou e embelezou, teve o Rio Grande do Sul, em 1893, seu acontecimento mais trágico...”.
            “Lagoa da Música, em que há um instante em que cessa a barulhada do mato e a própria correnteza das águas modera até silenciar por completo. Em que repentinamente, um atento e religioso respeito se apossa de tudo o que estava em rebuliço, algazarra. É quando chegando às dezesseis horas, vai se realizando o encantamento daquelas águas”.
            “Então, lá do fundo de certo trecho da lagoa vem um som harmonioso que pouco a pouco vai aumentando de intensidade, até que, aflorando à tona, estruge forte e enérgico, deixando atônitos os que não estão acostumados com ele. Mas os dali sabem que é o encantamento produzido pelo sangue de trezentos e muitos gaúchos degolados, com seus corpos atirados na lagoa, que está se realizando”.
            “Os incrédulos dizem que os sons harmoniosos nada mais são que fenômenos da acústica. Querem explicar que no leito da lagoa, por ser lugar de carvão, deram-se escavações formando galerias subterrâneas que vão se ligar com outras já meio soterradas, existentes em terra firme, e que o ar vindo destas, ao atravessar as águas, produz como uma música de flauta gigantesca”.
            “Os incrédulos, homens que lêem livros complicados e enredadores, ignoram por certo que a água das lagoas e dos rios, na campanha, guarda consigo o espírito dos gaúchos valentes e sinceros que são pela liberdade de seu povo...”. (Pedro Wayne)






Zeca Tavares sentado a esquerda





















Lagoa da Música




























ADÃO LATORRE


            Em torno do “massacre do Rio Negro”, ergueu-se o mito de Adão Latorre, que teria, com uma faca de 15 centímetros, sido o autor das 300 execuções. Hoje se sabe que Latorre teve pelo menos dois ajudantes.
            Certo é que houve uma matança fria e deliberada de prisioneiros desarmados, de mãos amarradas. Dois oficiais do exército que estavam entre os vencidos protestaram contra a degola de prisioneiros civis e, por isso, também foram executados.
            O telegrama do chefe federalista Zeca Tavares, comandante em Rio Negro revela que, “... do inimigo ficaram no campo de batalha 200 mortos mais ou menos, contando os que, em grande número, foram ao mato exalar o último suspiro”.
            Adão Latorre foi invariavelmente apresentado como “filho de escravos, nascido no Uruguai, que se tornou peão da família Tavares na fronteira”. Ficou tristemente célebre por sua participação na degola de prisioneiros, na Estação de Rio Negro. Entre os irmãos Tavares e o militar Maneco Pedroso existiam questões nunca resolvidas.             Levado ao sacrifício o coronel Maneco Pedroso indagou do seu carrasco, Adão:
- Adão, quanto vale a vida de um homem de bem?
- Vale muito, mas a tua está na ponta da minha faca e não vale nada!
- Então, degola negro filho da puta!
            Este diálogo, repetido por vários historiadores, faz parte do folclore criado em torno do degolador.
            Latorre morreria, aos 88 anos, na manhã do dia 15 de maio de 1923, perto do rio Santa Maria Chico, em Bagé, com o lenço vermelho dos maragatos, lutando contra os pica-paus, agora rebatizado de chimangos.
            A morte de Adão Latorre, foi uma vingança: no Rio Negro, ele matou Maneco Pedroso. Depois, o irmão, Antero Pedroso, o matou. Contam que a primeira bala que meteram foi na cincha do cavalo. O cavalo deitou, e o velho apeou sendo destruído à metralhadora, e logo depois de degolado.
            Assim terminou aos 88 anos o maior degolador do Rio Grande do Sul.


   




            “Embora os chefes militares castilhistas (Júlio de Castilhos), em seus relatórios, ordens do dia e noticiários oficiais, não se referissem a degolas praticadas por eles e somente registravam a crueldade das degolas praticadas pelos adversários, embora quase não se encontrem registros feitos por forças federalistas, referentes à prática da degola, sabe-se que os prisioneiros muitas vezes eram executados com um corte profundo da carótida, num ritual macabro e cheio de terror.
            Como não houvesse espaço para prender prisioneiros numerosos, em caso de vitória em combates e entreveros, nem alimentação e soldados suficientes para montar guarda, a prática da degola economizava munição e, principalmente, impedia que outros prisioneiros, com esperança de sobreviver, desistissem caso tivessem alguma disposição de se alistar em suas fileiras, também servia como vingança, castigo para inspirar terror nos adversários e mesmo nos que permaneciam neutros”. (José Alfredo Schierholt)
            A revolução federalista foi vencida em junho de 1895 no combate de Campo Osório. Saldanha da Gama, possuidor de um contingente de 400 homens, lutou até a morte contra os Pica-Paus comandados pelo general Hipólito Ribeiro.


Batalhão de federalistas





            A paz finalmente foi assinada em Pelotas no dia 23 de agosto de 1895.







            Foi por volta de 1915, que chegou o empresário Pedro Rabione Sacco, que se estabeleceu com comércio e passou a intermediar a produção da região.